terça-feira, 29 de julho de 2008

Enxergar, ver e olhar.

(Escrito em Valadares, março de 2007)

As vezes tenho vontade incontrolável de ver além. Quem dera uma “espada justiceira com visão além do alcance”. Mas tranqüilidade me parece ser a visão do que nos é possível, exercício de paciência pra quem escuta além do alcance.

De tanto querer ver, encontro meu sossego na imagem congelada do outro que a minha máquina fotográfica captura. As minhas lentes são as conjuntivas do meu olhar, que pesca o outro que se faz em mim. Retrato o meu olhar, no outro.

Em Pedra Corrida, faço o exercício desse olhar. Num primeiro momento vejo, depois enxergo e por fim olho. Vêm à minha cabeça palavras de um texto do Freud: Necessidade, demanda e desejo. Tríade importante das nossas vidas. Faço analogia... Ver é uma necessidade fisiológica, coisa que nos permite captar o externo. Enxergar é um pouco mais que ver, é aquela visão de quem está procurando alguma coisa especifica no meio de tantas outras e por fim vem o olhar. Esse não é da ordem da fisiologia, não é da ordem da necessidade, nem da demanda de enxergar. O olhar é da ordem do desejo, particular e subjetivo de cada um. O olhar é seguido do que o nosso desejo desperta, em nós e no outro. E apesar de ter a necessidade de ver, e a demanda de enxergar, faço valer o meu olhar pelas lentes do meu desejo. É aquilo que só associado à palavra viva descreve o que ele diz. Palavra viva é aquela proferida da verdade de cada um.

De uma cadeira de Pedra Corrida vejo uma porta, enxergo um lugar e olho as pessoas. Vejo a menina que foi amassada por um carro, enxergo o pânico e olho a vontade dela em viver, amarrando os significantes que a compõe, tão pequena ainda. Ela me diz em uma brincadeira: "cuidado! Cuidado com o carro rápido na rua! Faz cicatriz na cabeça!" Essa mesma menina cai da bicicleta, vê o joelho ralado, ensaia um choro, vira para um lado, para o outro e olha pra ela mesma. Rapidamente, monta na bicicleta e sai andando com partes tortas, tremendo as mãozinhas no guidão. Eu vibro, silenciosamente no meu canto. Ainda que ela tenha medo, ela caminha... pequena guerreira, pequena e grande menina.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário será lido com prazer. Muito obrigada!