quarta-feira, 16 de julho de 2008

Comunhão

Quando criança minha mãe me levava na Igreja e eu morria de vontade de entrar na fila para pegar aquela coisa branca que davam ao final da missa. Não entendia porque só os adultos e algumas poucas crianças poderiam comer. Minha cabeça entrou em parafuso, se se chamava comunhão então porque não eram todos que compartilhariam o alimento? A justificativa que me foi dada convenceu alguns minutos mas não por todos os dias. Eu teria que fazer primeira comunhão. E primeira comunhão não era ir lá a primeira vez e comer, era um curso que eu deveria ir todo domingo para fazer então a primeira comunhão. Pra fazer a segunda também terei que fazer um curso? Não. Depois da primeira poderá fazer todas as outras se confessar de tempos em tempos. Era muito complicado tudo isso. Um curso para a primeira comunhão e depois não saberia se poderia ir novamente. Mas e se eu não gostasse? Não precisaria ir novamente. E se eu gostasse muito? Confessar era uma coisa que me incomodava. Sim com sete anos me incomodava e nunca deixou de incomodar. Por que teria que dizer a alguém o que eu penso de errado? Não entendia o que eu poderia ter que pedir desculpas por alguma coisa para alguém que eu não teria feito a coisa. Se desobedecesse minha mãe não teria que pedir desculpas a ela ao invés de um homem com uma túnica? Mas o que eu queria era ir à Missa e saber o gosto que tinha aquela rodinha branca. Ouvi dizer que era o Corpo de Cristo e me assustei. Muito. Queria mais ainda, apesar de assustada. Depois que as pessoas colocavam na boca a rodinha branca, ajoelhavam-se. Eu achava lindo. Acho bonito alguns rituais até hoje. Gosto dos símbolos das coisas. Queria muito saber como era o gosto do corpo de Cristo. Perguntava o que teria que dizer na hora que recebesse. “Quando fizer primeira comunhão saberá”. Os adultos complicavam demais as coisas. Eu só queria saber o gosto, como sempre quero saber, experimentar. Entrei no curso. Não poderia continuar porque não tinha idade ainda. Não entendia absolutamente nada. Tinha que ter idade para compartilhar Cristo e para saber do gosto. Era a melhor aluna do curso. Mais aplicada porque queria muito colocar na boca a rodinha branca. Entrar na fila, saber como era a resposta e a sensação de ajoelhar depois. Curiosidade em saber o que iria acontecer. Mesmo aplicada, ia demorar um pouco para fazer a primeira comunhão. Acontecia apenas uma vez ao ano. Não podia esperar. Tinha pressa. Foi então quando em cumplicidade com uma prima de segundo grau que eu sempre ia para a casa dela nos finais de semana que resolvi da minha maneira a questão. Hoje bem sei que as brincadeiras de criança são muito sérias e importantes em um tratamento analítico. É na brincadeira que a criança elabora seus conflitos e foi na brincadeira que resolvi o meu. Comprei um pacote de fandangos. Um chips de milho que tem uma forma que cabe direitinho na língua e tinha um gosto delicioso, salgadinho. Eu e minha prima compramos o fandangos e brincamos de corpo de Cristo. Ela era o padre e me dava a hóstia, de fandangos. Eu dizia obrigada mesmo porque a resposta ainda não conhecia. Depois ajoelhava e falava com Deus, do meu jeito. Foi a minha primeira comunhão.

2 comentários:

  1. Relembrar é viver... Que sdd dessa época viu... agente aprontava todas e mais um pouco hein??? Aiaiaiai...Bjooo

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  2. Caramba Renata! Como disse, vc escreve bem mesmo. Não sou de ler muitos livros, mas a única vez que um texto me fez sentir na estória foi lendo Luis Fernando Veríssimo e, agora, o seu blog.

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