segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Carona do outro lado.

Estávamos congelando no ponto de ônibus, eu e um garoto de mais ou menos 16 anos. De repente, pára um carro, supostamente com os pais do garoto. Ele entra aliviado, esfregando as mãos e sorrindo. Olho pra ele, ele olha pra mim. Penso: que sortudo! E eles se vão. O carro anda duas giradas completas de pneu e volta de ré. O garoto desce o vidro e pergunta: onde você mora? Podemos te levar em casa? A primeira coisa que eu pensei foi não. A segunda foi dizer o meu endereço. Entrei... na velocidade da luz. A sensação era a mesma de comer um bolo de fubá feito por sua avó. Pensei: Viva quem inventou o aquecedor! Eles me trouxeram para a casa e descobrimos ser vizinhos. Sorrimos e eu agradeci muito. Quando perguntei de onde eram, curiosamente responderam: Afeganistão. A-fe-ga-nis-tao? Aquele País que outro dia publiquei barbaridades vindas de la? Sim, aquele País que outro dia critiquei as leis e as burcas. A esposa, inclusive, tinha uma cobrindo os cabelos e parte do rosto. Pensei novamente: Viva quem inventou o aquecedor. Viva quem inventou o aquecedor de corações que pode derreter tudo, até os nossos preconceitos.

sábado, 19 de julho de 2014

Paciência

Em alguns momentos da vida, aprendemos que o controle se esvai por entre os dedos.
Não adianta você fazer nada: gritar, esbravejar, correr, lutar, pensar. Tudo é em vão.
São lições forçadas que você não queria mas que chegam até você, caem de para-quedas e  tem apenas que suportar com resiliência e paciência. Paciência... a ciência da paz. Contraditório, como muitas coisas que pensamos e vivemos. Pra mim não há paz na paciência, há espera. Quem é que gosta de esperar e fica em paz esperando? Mas não é de tudo perdido. Enquanto esperamos o mundo se encaixar novamente, ocupamos o tempo com pequenas buscas. Um afazer prazeroso, uma conversa boa, uma brincadeira inocente, uma notícia explorada, um filme visto. E assim passam as vinte e quatro horas e "tapeamos" a espera, como quem não quer nada.
Paciência é você consumir os dias e não deixar que eles te consumam.
 

segunda-feira, 3 de março de 2014

Marca

Tem coisas sociais que marcam a nossa vida de maneira singular: o primeiro beijo, a festa de 15 anos, a formatura do colégio, a entrada para a universidade, o primeiro sexo, o trabalho tão esperado, o pedido de casamento, o vestido de noiva, a notícia da gravidez, o parto, a primeira vez que o filho andou e por aí vai. Mas tem uma coisa que marca muito e essa, deixa o rastro com ferro no corpo da gente. A morte. Quem já perdeu alguém sabe que a dor dela não se compara à pior crise renal, ou à dor mais crônica que possa existir na face da terra. Não. A morte faz questão de ser ela própria, sem nada o que comparar. E ela vem pior ainda quando não leva a pessoa que morreu. Quando é simbólica e metafórica. Quando descreve o seu fracasso enquanto pessoa, que não consegue vence-la. Hoje eu senti a morte da separação novamente. Depois de tantos anos e de ter esquecido como era, ela voltou, sem dó nem piedade. Meus cinco anos com ele se foram e a marca está inscrita duplamente em mim, no meu coração e nas minhas mãos, pois quando tirei a aliança percebi que ela já tinha afundado o meu dedo anular direito e colorido de branco o seu espaço. Nessa hora não há café, chá, vinho e cachaça que resolva o problema. É a hora de sentir o buraco e quem já passou outras vezes por isso sabe que o melhor é nem tentar fecha-lo. O mais sensato é botar sal grosso e deixar doer até não querer mais. Até a morte se esvair e sumir na lembrança de todas as coisas que foram vividas. Expectativas são ilusionistas da morte. Hoje eu morri um pouco.

sábado, 1 de março de 2014

Quase dois anos sem escrever no blog, resolvi lê-lo nessa madrugada.
Tinha a impressão que aqui só tinham coisas pesadas do passado, aquilo que a gente coloca num baú de madeira velho e deixa, por décadas, pegar poeira. Mas me surpreendi com as palavras de afeto nos momentos difíceis, com algumas descobertas leves e com a boa dose de otimismo que eu tinha da vida quando escrevi essas letras.
 
Na correria das "vidas sociais", deixei de escrever pra mim. Não deveria. Estou de volta.