sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Relato

Ela ligou. Trêmula na voz, acelerada em sua aflição. De tempos em tempos fazia reflexão sobre sua vida e compartilhava. "Está tudo errado", ela disse. "Minha vida até aqui foi toda errada". Questionei silenciosamente o que tanto afligia, ao mesmo tempo em que tudo parecia mostrar um direcionamento tranquilo de sensatez. Falava sobre os casais: felizes, bonitos e iguais. Monótonos, cúmplices de uma falta de verdade coletiva, de segredos mudos e claros. Olhou para um lado, flash. Para o outro solidão. Minutos de lábios se movimentando sem que se ouvisse um som apenas, um mísero. Nem da voz que irritava, nem da promessa desfeita."As vezes penso que não sou daqui", continuou. E após o relato, escutava o coração dela como se pudesse mergulhar no mais profundo silêncio marinho. Só o coração dela, que ora forte gritava socorro e ora fraco pedia paz. "Dirigi a volta sem saber como". Viu-se perdida num caminho conhecido, passou todos os sinais, todos os radares. Ninguém para rastrear. Ninguém para dizer: vá ou páre. Está tudo errado sim, concordei. Até aqui viveu para os outros e os outros viveram por si. Mas de tempos em tempos, parece abrir um portal de claridez. Claridez não existe, é palavra inventada para dizer de um momento único, raro de lucidez. Antes tarde do que nunca, ressaltei. A vida pede sentido, assim como pede pausa. Não há sentido algum no que houve hoje. Não há descrição para o limite ultrapassado, escancarado, banalizado. É de intensidade que a pulsão precisa, mas não é de intensas experiências amontoadas e vazias de falta de amor próprio. Tudo até aqui, não fez sentido algum. Hora de mudar.

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