quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Recomeço

Quando eu voltei da Europa despertou uma vontade grande de não morar mais no Brasil. Inúmeros fatores: respeito, justiça, honestidade, confiança, segurança e dignidade. Valores que no meu País estão cada vez mais esquecidos. Eu gostei de pagar o ônibus e ninguém me cobrar a passagem, gostei de andar na rua sem medo de alguém me pegar, gostei do respeito no trânsito, na rua, nos espaços.

Resolvi então ir embora para outro lugar: a Austrália. Tenho amigos queridos por lá que seriam minha referência no momento difícil que eu estava. Comecei a juntar os papéis, a organizar os passos para o visto. Numa agência escutei: "a única coisa que você não pode ter para ir para a Austrália é tuberculose, porque eles desconhecem o tratamento da doença e não tem nenhum caso no País. Está tudo bem com seus pulmões ne?". Óbvio que estava, pensei.

Os dias foram passando, e cada vez mais eu me dedicava a procurar coisas sobre o curso que eu faria no outro lado do mundo. Já não saía muito do quarto, queria que passasse logo os dias e que chegasse a hora de embarcar. Parecia uma fuga. Mas era mesmo e eu tinha todos os motivos pra querer fugir daqui. Não ia pagar um preço tão alto de deixar minha família aqui à toa.

Até que os dias foram ficando longos demais. Estava incomodada com minha falta do que fazer, uma vez que sempre fui de fazer tanta coisa de uma vez só. Decidi atender umas crianças num abrigo aqui perto de casa, até o momento de ir embora. E no primeiro dia de trabalho, senti calafrios e um pequeno mal estar. Cheguei em casa, coloquei o carro na garagem e fui para o meu quarto. Não consegui chegar até minha cama...de repente uma falta de ar absurda, muita tosse e muito vômito. Fui levada para o hospital, tomei um pouco de oxigênio e já estava me preparando para voltar quando o médico disse: "Renata? está bem?". Estou sim, já quero ir embora. Pode não querer esse remédio para o vômito porque já passou? Ele disse: " Não, vai ser necessário tomá-lo mais um pouco." Pensei: nem podemos escolher o que achamos ser melhor pra gente, mas paciência, esperar o outro pra me liberar. E o outro veio. Dirigindo-se à minha mãe disse: "Como ela chama?" Eu disse: Renata! "Ó, seguinte, vou ter que te internar, seu raio-x não veio bom não". Falei: Mas eu estou bem, posso ir pra casa e voltar amanhã? Ele disse que não...

E aí começou uma história difícil, mas muito importante. No outro dia cedo, eu estava isolada, com pessoas usando máscaras pra chegar até a mim, e com o recado que um pneumonologista viria me visitar em breve. Ele veio, conversou comigo e disse: "Renata você tem um quadro avançado de tuberculose, vamos ter que fazer alguns exames". Eu estava com o oxigênio e o aparelho de nebulizador no nariz. Tirei os dois e falei com ele: Tuberculose?!? Tô no século dezoito? E ele já foi logo voltando com o aparelho pro meu nariz.

Dessa parte até a que estou hoje, gostaria de passar uma borracha. Esquecer os dias de cama, de vômitos, de fraqueza. O importante é que tive mais de 26 dias para pensar no porquê de tudo isso comigo. Como eu tinha tantas lesões nos pulmões e como isso foi se alastrando dentro de mim. Parei de perguntar o porquê, e comecei a bater no pra quê! E fui encontrando muita sujeira que eu guardei debaixo do tapete, muita mágoa, tristeza, decepção. O tratamento iniciou e fiquei internada três vezes por conta dele. Os remédios pra mim eram como bombas que explodiam a doença mas todo o meu organismo também. E eu só vomitava, vomitava, vomitava.

Nesses dias, apareceu muita gente pra ajudar. Uma ajuda que não necessariamente tirava o meu vômito ou a minha perda de peso ou minha fraqueza. Mas ajuda humana, que me fazia acreditar que aquilo tudo ia passar uma hora. Minha família é única, especial, diferente. Meus amigos são preciosidades que não se encontram mais por aí. Algumas pessoas seguravam minha cabeça enquanto eu vomitava, e essa ajuda pra mim era a maior do mundo naquele momento, porque eu de tão fraca, não conseguia segurar o corpo. Outros, faziam preces em silêncio, abastecendo o meu organismo de energia que eu precisava tanto. Formou-se uma grande corrente, que eu não tenho noção da dimensão.

Fui internada novamente e descobriram uma sequência de coisas... entre elas uma hepatite medicamentosa muito forte. Suspenderam então todos os remédios que eu tomava. Só da tuberculose eram seis. Foi aí que comecei a me alimentar novamente. Tirados os demônios que me bombardeavam, pude comer. Passei fome, com vontade de comer, com comida, sem poder segurar no estômago. Fome dói, nunca imaginei que fosse sentir isso.

Depois de biópsia, tubo no pulmão, exames, furos, injeções e vômitos, veio a melhora. Uma melhora muito rápida, uma sensação estranha que não consigo descrever. Mas era uma vontade de comer tudo, de viver tudo, de andar dentro de casa, sentar na cama, tomar banho sozinha. Uma renovação que mudou meu quarto, retirando lembranças de um tempo que não quero mais lembrar, mudou meu pensamento em relação aos pobres humanos que eu tinha raiva, mudou minha percepção do meu corpo e mente. Vi que a medicina ainda é muito primitiva, mesmo com tanta tecnologia. Ela não trata uma pessoa, trata uma coisa na pessoa sem se importar o que tudo na pessoa vai sentir. vontade de gritar: EU NÃO SOU SÓ UM PULMÃO. PAREM DE ME MATAR TENTANDO SALVAR. E eu gritei. Procurei terapias alternativas, tratamentos diversificados. A doença sumiu do mesmo jeito que apareceu: do nada. E agora estão investigando que tipo de PNEUMONIA é essa que eu tenho.

Esses dias foram um tempo difícil mas posso dizer com certeza absoluta que foi o tempo mais importante da minha vida. Onde pude fazer escolhas que me deixaram novamente de pé. Nada além da sua saúde tem importância quando você está achando que vai morrer. Nada. Nem trabalho, nem dinheiro, nem namorado, nada. E quando você volta desta experiência, volta diferente, mais forte, equilibrado. Os desejos são coisas simples: segurar o sobrinho no colo, ver a luz do sol de pé, tomar água no filtro, comer sem ter que escorar. Escrever.

Não cheguei ao final do processo, mas estou no meio de uma transição. Um ciclo de muitas coisas difíceis está se fechando e eu já vejo a abertura de outro aqui dentro de mim. Estou no caminho, bem mais leve que outros já passados. Bem mais feliz também. Lembrei da frase do Jung, que um amigo me escreveu: "Quem olha pra fora sonha, quem olha pra dentro desperta"...

5 comentários:

  1. Sorria menina, a tempestade passou.

    Aquela nuvem negra, passou.

    Agora é a hora de recomeçar. A família, os amigos, o mercado, o mundo precisa de você.

    É como acordar de um pesadelo. Primeiro, deve-se se sintonizar no mundo real, depois é caminhar para a frente.

    Beijos.
    Bom recomeço.

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  2. Obrigada, Rafa. Com pessoas como você, Lili e família toda por perto, facilita tudo. beijão...

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  3. A Europa está com você, torcendo para que se recupere muito depressa.

    Um beijo grande.

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  4. Nata nao tenho muito a dizer mas digo que todo esse tempo Deus esteve com vc e pra tudo Ele tem um proposito... te amo amiga!!!

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  5. Renata, querida. Que bom saber que vc está bem e com as energias renovadas. Fique com Deus. Bjs e um abraço bem apertado. Saudades, Juliane.

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